“Daes
noz pão por meio do trabalho”. Foi assim que os imigrantes
italianos da Colônia Alessandra (hoje Alexandra), em Paranaguá –
PR, encerraram a carta que encaminharam ao presidente da Província
do Paraná, Manuel Pinto de Sousa Dantas Filho, que presidiu o Paraná
de 23 de abril de 1879 a 4 de agosto de 1880.
Este
documento ajuda-nos a entender a situação da Colônia Alexandra nos
anos finais da década de 70 do século XIX, e resgatar uma parte da
história dos antepassados que ali viveram. No caso desta
pesquisadora, o foco é na família Zella, que chegou à colônia em
setembro de 1876. Ao final do referido documento, encontram-se as
assinaturas dos chefes de família residentes na colônia, dentre
eles Savério Zella, chefe da família composta pela sua esposa
Angela e seus filhos Francesco Zella, Conuzio (Conceição) Zella,
Nicola Zella, Antonio Zella, Luigi (Luiz) Zella e Paolo Zella.
Assinatura
de Savério Zella e outros imigrantes
Abaixo
segue a transcrição do documento, em grafia atual, para melhor
leitura e entendimento. As páginas originais do documento, em
formato digital, e a transcrição literal do texto podem ser
baixados aqui.
Este documento encontra-se no Arquivo Público do Estado do Paraná,
sob a referência AP
581 (páginas 27 a 28v).
Os
abaixo-assinados, colonos italianos da Colônia Alexandra, chegados
aos últimos apertos, respeitosamente apresentam-se a V. E. para
expor o estado lastimável em que se acham sem sua culpa, e apesar de
ter por cinco anos estado com dificuldades de todos os gêneros,
expressando sempre a bonança depois da terrível tormenta, mas
parece que para estes miseráveis o céu não tem senão nuvens e
trovões. O Brasil, pai extremoso para todos os colonos, será
padrasto para os pobres de Alexandra?! Os abaixo-assinados, tendo
tido a felicidade de ver de perto V. E. interessar-se de suas
plantações e famílias e sabendo ilustre nome que traz, propondo-se
a ver o estado das coisas, V. E. fará o possível para ajudá-los.
Emo, dizem que trabalhando em suas terras pode-se viver comodamente, e quem acha-se em pobreza é preguiçoso. Para os colonos onde existem engenhos, onde os colonos podem transformar seus produtos em modo de podê-los entregar ao comércio, isto é verdade, mas, Emo, veja se as condições em que acha-se Alexandra são estas. A primeira cultura deste país é o café, mas para poder uma plantação de café fazer um homem abastado precisa que seja grande, e para isso bastante braços para cultivá-la, limpá-la e engenhos para produzir o produto de modo a ser apresentado ao mercado, e estrada para levá-lo. Por isso, os colonos de Alexandra pouco podem esperar desse produto. 2ª cultivação é a cana de açúcar, mas aqui não temos engenho e V. E. pode informar-se que em 1877 queimamos uma porção de cana, porque não tínhamos possibilidade de trabalhá-la.
Os três ou quatro engenhos que existem são pequenos e não poderiam dar expediente de toda a cana que poderia cultivar-se e pois o estado das estradas e o transporte, V. E. como vê, é inútil a cultivação da cana até que tenhamos um engenho regular e estradas que facilitem o transporte, pois apodrece o produto. Pensamos nos dedicar à cultivação da mandioca, mas teríamos de lutar com as mesmas dificuldades que a cana de açúcar, então, V. E. vê que que a única cultivação que nos resta é o milho, mas um pobre colono trabalhador que seja, também apertado pela fome, pode derrubar tanto mato, queimá-lo e trabalhá-lo para produzir tanto milho que sirva para comer com sua família e vestir-se?!
V. E., com sua alta sabedoria e magnânimo coração, pondere! Emo, nós que por cinco anos trabalhamos lutando com todas as dificuldades, até com a fome hoje, falta de forças e de coragem, bradamos à V. E., representante do Governo e nosso natural protetor, Emo, pão para nós e para nossas famílias, que morramos a minguar, Emo, quer ver o nosso estado?
Por cinco anos ninguém abandonou a colônia, mas nestes últimos dias já existem famílias emigrando para a República Argentina, e não acredite, Emo, que fosse gente preguiçosa e vagabunda, eram todos bons trabalhadores e abandonaram suas plantações antes da colheita. Quem te diz, Emo, que concedendo-nos um bocado de trabalho, nós deixaríamos a cultura de nossos lotes, não acredite, porque nós não somos trabalhadores de (…), somos agricultores, e se pedimos trabalho é porque ganhando algum (…) poderemos esperar a chegada do governo, tomando conta da colônia, nos ajude a montar o engenho de cana, que será nossa riqueza e especialmente tendo estradas.
Emo, dizem que trabalhando em suas terras pode-se viver comodamente, e quem acha-se em pobreza é preguiçoso. Para os colonos onde existem engenhos, onde os colonos podem transformar seus produtos em modo de podê-los entregar ao comércio, isto é verdade, mas, Emo, veja se as condições em que acha-se Alexandra são estas. A primeira cultura deste país é o café, mas para poder uma plantação de café fazer um homem abastado precisa que seja grande, e para isso bastante braços para cultivá-la, limpá-la e engenhos para produzir o produto de modo a ser apresentado ao mercado, e estrada para levá-lo. Por isso, os colonos de Alexandra pouco podem esperar desse produto. 2ª cultivação é a cana de açúcar, mas aqui não temos engenho e V. E. pode informar-se que em 1877 queimamos uma porção de cana, porque não tínhamos possibilidade de trabalhá-la.
Os três ou quatro engenhos que existem são pequenos e não poderiam dar expediente de toda a cana que poderia cultivar-se e pois o estado das estradas e o transporte, V. E. como vê, é inútil a cultivação da cana até que tenhamos um engenho regular e estradas que facilitem o transporte, pois apodrece o produto. Pensamos nos dedicar à cultivação da mandioca, mas teríamos de lutar com as mesmas dificuldades que a cana de açúcar, então, V. E. vê que que a única cultivação que nos resta é o milho, mas um pobre colono trabalhador que seja, também apertado pela fome, pode derrubar tanto mato, queimá-lo e trabalhá-lo para produzir tanto milho que sirva para comer com sua família e vestir-se?!
V. E., com sua alta sabedoria e magnânimo coração, pondere! Emo, nós que por cinco anos trabalhamos lutando com todas as dificuldades, até com a fome hoje, falta de forças e de coragem, bradamos à V. E., representante do Governo e nosso natural protetor, Emo, pão para nós e para nossas famílias, que morramos a minguar, Emo, quer ver o nosso estado?
Por cinco anos ninguém abandonou a colônia, mas nestes últimos dias já existem famílias emigrando para a República Argentina, e não acredite, Emo, que fosse gente preguiçosa e vagabunda, eram todos bons trabalhadores e abandonaram suas plantações antes da colheita. Quem te diz, Emo, que concedendo-nos um bocado de trabalho, nós deixaríamos a cultura de nossos lotes, não acredite, porque nós não somos trabalhadores de (…), somos agricultores, e se pedimos trabalho é porque ganhando algum (…) poderemos esperar a chegada do governo, tomando conta da colônia, nos ajude a montar o engenho de cana, que será nossa riqueza e especialmente tendo estradas.
Emo,
o seu coração tem de comover-se, os gritos de 300 homens, mulheres
e crianças que bradam, nós vimos vós (…) a vossa fronte nos
dizia que sois bom e generoso, ouvimos que o vosso nome é sinônimo
de glória no Brasil, dai-nos pão por meio do trabalho.
Colônia
Alessandra, 27 de dezembro de 1879.
Se
há alguém que ainda pensa
que os imigrantes foram “recebidos de braços abertos no Brasil,
ganharam terras e progrediram”, eis uma prova de que não era nada
deleitosa a vida dessa gente. Inúmeras eram as dificuldades nas
colônias. Em Alexandra, especialmente neste período, o sofrimento
dos imigrantes era enorme. Abandonados pelo governo, eles suplicavam
condições de trabalho para terem o pão para comer. Além disso,
sofreram calúnias e preconceitos, sendo chamados de “preguiçosos
e vagabundos”, para
que recebessem a culpa
pela situação de miséria da colônia. A
carta foi a forma encontrada por eles para se defenderem de tais
acusações e reclamarem ao governo suas necessidadades mínimas para
terem condições de trabalho: máquinas e estradas.
Morei a maior parte da vida em Alexandra, esse bairro de Paranaguá possui características únicas, em grande parte, por ser a mãe dos demais bairros.
ResponderExcluirBoas lembranças dos dias em que vivi em Alexandra,
Sou da familia do Conuzio Zella e estou com certa dificuldade de achar alguns docs, sera que vc pode me dar alguma dica?
ResponderExcluirOlá, eu consegui através do Arquivo Público do Paraná imagens de uma lista de imigrantes que chegaram em Paranaguá em 1876, entre eles está o Conuzio Zella. Posso compartilhar com você (mosmack@gmail.com). Pelo que fala na carta eles chegaram em 4 de setembro de 1876 através do Vapor Ligúria, mas não estou certo sobre esta data, estou procurando mais informações sobre este vapor e o seu trajeto.
ExcluirNossa Edgar obrigada pela resposta, vi somente hj. Mil desculpas.
ExcluirOlá, através do Arquivo Público, consegui uma lista e uma carta do Savino Tripoti, indicando a chegada de 180 imigrantes italianos, em 4 de setembro de 1876 em Paranaguá através do Vapor Ligúria. Meus antepassados Andreoli/Zombini/Santi/Zanoni, entre outras, inclusive os Zella estão na lista. Você teria mais alguma informação sobre essa chegada?
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